Câncer da próstata em 2021

Shakespeare dizia que o passar dos anos produzia nos homens sensações inevitáveis, as pernas cada vez mais finas dançavam desconcertadas dentro de calças cada vez mais folgadas, o corpo combalido se mantinha alheio aos pedidos da alma e do coração. Esqueceu-se de falar dos incômodos da próstata. Uma glândula emblemática, que nos jovens tem o papel triunfal de alimentar e manter vivos os espermatozóides e, com isto, perpetuar a espécie. Mas que no homem maduro é responsável por um tormento de conseqüências negativas para a qualidade e quantidade de vida de seus portadores: o câncer da próstata. Mal que surge em cerca de 10% dos homens com 50 anos, 30% daqueles com 70 anos e 100% dos que chegarem aos 100 anos de idade.

Diante de fatos tão majestosos e lembrando que a ciência médica continua envolvida por mistérios intrigantes, é fácil compreender as controvérsias e emoções que permeiam as discussões sobre o câncer da próstata. Controvérsias e emoções assombrosas entremeadas por algumas certezas alentadoras.

 

Frequência e Fatores de Risco

Atualmente vivem no Brasil cerca de 12 milhões de homens com mais de 50 anos e estima-se que dois milhões deles serão atingidos pelo câncer da próstata. A essa estatística incômoda, contrapõe-se outra mais animadora: de cada 18 homens acometidos pelo mal, apenas três morrerão pela doença. A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive ao câncer, alguns por portarem tumores indolentes, que não progridem, muitos outros graças às ações médicas reparadoras.

Duas condições aumentam os riscos de se contrair o câncer da próstata, especificamente, a raça e a ocorrência de casos na família. A freqüência desse tumor é 70% menor em homens orientais, mas essa diferença quase desaparece quando orientais migram para o ocidente, sugerindo que influências ambientais e o modo de vida também estão implicados com a instalação da doença.

Já negros têm o dobro da incidência de câncer da próstata e neles o tumor costuma ceifar mais vidas. Além de predisposição hereditária, estudos  recentes patrocinados pela American Cancer Society, nos EUA, sugerem que esse comportamento pode estar relacionado com desigualdade social, que limita o acesso mais vulneráveis, incluindo alguns negros, aos tratamentos curativos. Fenômeno perverso que, possivelmente, se repete numa sociedade injusta como a nossa.

A incidência do câncer da próstata aumenta de duas vezes a cinco vezes, quando pai ou irmãos desenvolvem o mal antes dos 55 anos. Obesidade e vasectomia, lembrados com possíveis fatores de risco, não aumentam a incidência da doença. Contudo, o tumor manifesta-se de forma mais agressiva em obesos, o que constitui mais um motivo, entre outros, para os homens adultos se afastarem da sofreguidão.

 

Descoberta da doença

O câncer da próstata não produz sintomas nas fases iniciais, período em que a doença é altamente curável. Nessa etapa, a existência do câncer só pode ser explorada através do exame de toque (nos homens atingidos, surgem áreas endurecidas na glândula) e das dosagens no sangue do chamado “antígeno prostático específico” ou PSA. Esses dois exames devem ser realizados conjuntamente, já que o toque e o PSA, isoladamente, revelam, respectivamente, cerca de 25% e 45% dos casos com a doença. Executando-se os dois testes, são identificados 75% dos pacientes acometidos

A simplicidade dessas estatísticas poderia indicar que o diagnóstico do câncer da próstata é circundado por ideias consensuais. Infelizmente, isso está longe da realidade. Em primeiro lugar, o toque da próstata gera assombros incontidos na mente masculina. A verdade é que esse exame costuma ser realizado em quatro ou cinco segundos e de maneira indolor. Para os mais recalcitrantes, gostaria de dizer que muito pior do que o desconforto psicológico de alguns segundos é o flagelo que perdura por anos e sempre termina mal, quando um câncer é descoberto tardiamente.

Em segundo lugar, os níveis sanguíneos do PSA, proteína que é produzida exclusivamente pela próstata, encontram-se aumentados nos pacientes com câncer local, mas também podem se elevar em casos de infecção da glândula ou até mesmo em homens sem qualquer doença local.

Por isso, valores alterados de PSA exigem uma avaliação médica, mas não indicam, necessariamente, a existência de câncer.

Em terceiro lugar, a biópsia da próstata, realizada para confirmar suspeitas geradas pelos exames, pode falhar em 10 a 12% dos casos, não revelando a existência de câncer quando ele está presente. Essa imprecisão surge frequentemente em pacientes com tumores localizados na área anterior da próstata, quase inacessível à biópsia e imperceptível ao toque, o que acaba retardando o diagnóstico da doença. Felizmente essa situação incômoda tem sido contornada com dois novos exames, a ressonância magnética multiparamétrica e o PSMA PET-CT, que permitem a visualização de tumores mesmo nas áreas mais obscuras da próstata, com uma acurácia de cerca de 80%. Dessa forma, a existência de um tumor pode ser confirmada ou afastada, protegendo os portadores da doença ou eliminando apreensões intermináveis em pacientes sem o mal.

Para que o câncer da próstata seja diagnosticado no momento apropriado recomenda-se que os exames de detecção sejam repetidos anualmente, a partir dos 45 anos de acordo com diretrizes firmadas no passado. Por outro lado, nos casos hereditários a doença manifesta-se em idades mais precoces; por isso, homens com histórico familiar devem se submeter a exames preventivos anuais da próstata a partir dos 40 anos de idade.

Recentemente a US Task Force, dos Estados Unidos, sugeriu que os exames da próstata e exames de PSA rotineiros deveriam ser proscritos, sob o argumento de que o diagnóstico precoce da doença desencadeia ações médicas contundentes, desnecessárias em pacientes com câncer indolente. Em decorrência, segundo essa entidade, são produzidos um sem número de homens com a qualidade de vida comprometida pelas sequelas do tratamento.

Confesso que não aceitei bem essa recomendação. Com alguma frequência deparo-me com indivíduos que, aos 58 ou 60 anos, apresentam-se com doença já avançada, às vezes sem retorno, situação que teria sido evitada se o mal tivesse sido identificado mais cedo. Mais razoável é que o diagnóstico precoce seja realizado e médicos, seguindo as melhores evidências científicas e os melhores preceitos éticos, tratem apenas os casos mais agressivos, que colocam e risco e existência de seus pacientes. Ademais, penso que todos os seres humanos tem o direito inegociável de participar das decisões que interferem com o seu destino. Para aqueles preocupados em prolongar sua existência, tabelas e estatísticas médicas, sempre imprecisas e muitas vezes falhas, não podem prevalecer sobre esse sentimento inegociável.

Definindo a Gravidade da Doença

Vários parâmetros podem ser utilizados para definir a gravidade dos casos de câncer da próstata. A extensão inicial da doença (tecnicamente definida como “estágio”), a agressividade das células que formam o tumor e as medidas do PSA no momento do diagnóstico, representam os principais parâmetros utilizados pelos especialistas para prever os horizontes desses casos e planejar o tratamento dos mesmos.

Com respeito ao estágio, o tumor é classificado como T1, T2, T3 e M+, quando está situado, respectivamente, na intimidade da próstata e não pode ser percebido ao toque (T1), quando é notado ao toque, mas não se estende para fora da glândula (T2), quando se expande e atinge os tecidos vizinhos à próstata (T3) e quando atinge outros órgãos, em geral os ossos (N+/M+). Como demonstra o gráfico adiante, as chances do paciente estar bem cinco anos após o diagnóstico relacionam-se fortemente com o estágio da doença.

A agressividade das células é medida por uma nota conferida ao tumor ao ser analisado o material colhido na biópsia. Nesse sentido, utiliza-se uma escala chamada de “Escore de Gleason”, que pode variar entre 5 e 10 e é obtido pela soma de dois números indicados pelo médico especialista ao descobrir, na biópsia, um tumor maligno na próstata.  Os casos com escore total de 5 e 6 são mais brandos, aqueles que recebem nota final 7 tem agressividade intermediária  e as lesões classificadas como 8 a 10 são mais desfavoráveis e devem ser tratadas de forma mais contundente.

Os níveis sanguíneos de PSA elevam-se progressivamente à medida que aumentam as dimensões do tumor. Pacientes com lesões mais brandas costumam evidenciar níveis de PSA inferiores a 20 ng/ml e nos casos de doença mais delicada esses níveis costumam se situar acima de 20 ou 30 ng/ml.

Sob o ponto de vista prático, os especialistas costumam definir a gravidade de cada caso analisando conjuntamente essas variáveis e aplicando uma classificação produzida pelo Dr Anthony D’Amico, da Universidade de Harvard (nessa tabela, “Risco” refere-se à gravidade da doença).

Estratégia de Tratamento do Câncer da Próstata

A evolução dos pacientes com câncer da próstata é relativamente imprevisível, mas no cotidiano a maioria dos pacientes apresenta-se com doença de pequena ou média agressividade, felizmente, potencialmente curáveis. Nesse sentido, pesquisa publicada pelo National Cancer Institute, dos Estados Unidos, concluiu que entre os casos de câncer da próstata descobertos em exames preventivos, 15% são portadores do tipo indolente; 60% têm doença agressiva, mas curável se tratada a tempo; e 25% apresentam lesões avançadas, de cura mais difícil quando se utiliza somente método único de tratamento.

Os tumores classificados como indolentes ou baixo risco, crescem muito lentamente e, por isto, muitos centros urológicos passaram a preconizar o não tratamento desses pacientes, pelo pequeno risco de morte pela doença. Nesses casos são realizados exames periódicos (“vigilância ativa”) e a orientação é mantida enquanto os exames se mantiverem estáveis.  Embora atraente, por evitar as complicações relacionadas com o tratamento do câncer, essa estratégia tem três inconvenientes. Quando acompanhados por 10 anos, o tratamento torna-se necessário em 50% dos casos, por sinais de piora da doença. Existe, também, de 10 a 12% de risco de agravamento imperceptível do câncer, com consequências negativas óbvias quando a situação é detectada. Não menos importante, a maioria dos pacientes vive em estado de apreensão, por carregar em seu organismo uma doença maligna não tratada.

 

Doença Contida Dentro da Próstata

Os pacientes com tumores mais agressivos localizados dentro da glândula são usualmente submetidos à cirurgia (prostatectomia radical) ou à radioterapia (externa ou braquiterapia). Apesar da polêmica entre os especialistas envolvendo a eficiência dessas duas técnicas, os dados mais recentes indicam que a cirurgia acompanha-se de maiores chances de cura nesses casos. Dois estudos a respeito publicados em 2010 pelos Dr. Michael Zelefsky, do Memorial Sloan Cancer Center de Nova York e pelo Dr. Matthew Cooperberg, da Universidade da Califórnia, demonstraram que o risco de morte por câncer foi de 2,2 a 3 vezes maior em pacientes tratados com radioterapia, comparado aos tratados com cirurgia.

Um dos motivos para explicar tal diferença é que se o tumor estende-se para fora da próstata ou reincide após a cirurgia inicial, pode-se recorrer com sucesso à radioterapia subsequente, que consolida a cura num número substancial de casos.

Já nos casos de falha após tratamento inicial com radioterapia, as perspectivas para os pacientes tornam-se mais sombrias, já que a remoção cirúrgica subsequente da próstata é sempre complicada e, muitas vezes, impossível. Isso explica porque nos casos mais simples ambos os métodos curam número semelhante de pacientes, mas nos pacientes com doença mais agressiva os índices da cura com a cirurgia superam de forma significativa aqueles observados com a radioterapia.

Além do sofrimento imposto pela sensação de finitude da vida, outras angústias assolam o espírito dos homens atingidos pelo câncer da próstata. A prostatectomia radical é acompanhada de impotência sexual em 70% dos indivíduos com 70 anos, em 35% dos pacientes com 65 anos e em 10% dos homens com 50 anos. Ademais, incontinência urinária surge em 3 a 15% dos casos, dependendo da experiência do cirurgião e da idade do paciente. A radioterapia associa-se a iguais riscos de disfunção sexual e pode causar complicações intestinais e de bexiga em 15 a 35% dos casos tratados, algumas vezes mais devastadoras que o próprio câncer.

Reconhecendo os inconvenientes dos atuais métodos de cirurgia e de radioterapia, pesquisadores lançaram-se a procura de procedimentos alternativos para dominar a o câncer da próstata. Multiplicaram-se na prática médica um sem número de técnicas, entre as quais a crioterapia, a aplicação de ondas de ultrassom (HIFU), a administração local de laser e o uso de diferentes vacinas antitumorais. Idealizados como métodos mais inócuos, esses procedimentos não tiveram sua eficiência comprovada de forma clara e, contrariamente ao esperado, podem se acompanhar de complicações sérias.

Por isso, devem ser considerados experimentais e desta forma apresentados eticamente aos pacientes.  Infelizmente, esse cuidado não tem sido seguido e alguns profissionais têm utilizado essas modalidades de tratamento, aproveitando-se da fragilidade e dos assombros que permeiam a mente dos pacientes atingidos pelo câncer da próstata. Confirmando os sentimentos expressos pelo Dr. Willet Withmore, de Nova York, há cerca de 30 anos: “O tratamento atual do câncer da próstata pode não ser a melhor medicina, mas certamente pode se tornar um bom negócio” e, também, “Existem mais pessoas querendo ganhar dinheiro com o câncer da próstata do que morrendo pela doença”.

Prostatectomia Auxiliada por Robô

De forma menos tendenciosa, mas talvez precoce, anunciou-se ao mundo o advento de uma nova técnica de prostatectomia, “recheada de predicados e quase isenta de problemas”: a prostatectomia auxiliada por robô, executado com o expoente denominado Da Vinci. Atribuiu-se a essa intervenção, realizada através de seis orifícios abdominais, diferentes méritos: ausência de incisão abdominal e, com isto, menor desconforto pós-operatório; melhor visão dos órgãos abdominais e movimentos mais suaves dos instrumentos cirúrgicos, permitindo retirada mais segura do tumor e menor risco de lesão dos nervos e músculos situados em torno da próstata; em decorrência estria quase garantida de preservação da potência sexual e controle mais perfeito da urina.

Apesar do apelo irresistível dos procedimentos de alta tecnologia médica e do marketing avassalador que envolveu o lançamento comercial do robô Da Vinci, a técnica tem suscitado algumas questões ainda mal respondidas. O aprendizado da cirurgia robótica é demorado e beira os limites do aceitável eticamente, já que a proficiência do operador só é atingida após 350 intervenções. Até que se atinja esse patamar, as cirurgias podem demorar até 6 horas e são envolvidas por complicações frequentes, à vezes graves e, mesmo, fatais. Por esse motivo, a empresa que produz o robô está agora sendo seguidamente processada nos EUA e numerosas firmas da advocacia oferecem seus préstimos na internet, incluindo algumas com sites emblemáticos, como “www.badrobotsurgery.com”!

Outra limitação limita o emprego disseminado da prostatectomia robótica: seu elevado custo de aquisição e de manutenção, da ordem, respectivamente, de mais U$ 3 milhões e de mais de U$ 300 mil dólares anuais, valores utópicos para um país carente de recursos e de prioridade para a saúde como é o Brasil.

A introdução recente dessa técnica não permitiu, até hoje, definir se os índices de cura do câncer são equivalentes aos resultados consistentes obtidos com a intervenção convencional. Definitivamente, e ao contrario da cirurgia aberta, a técnica robótica acompanha-se de remoção incompleta do tumor em pacientes obesos, com próstatas grandes ou já submetidos a cirurgias locais prévias. Nos demais casos é provável que as duas técnicas de prostatectomia sejam igualmente eficientes na erradicação da doença.

Um dos aspectos atraentes atribuído à cirurgia robótica relaciona-se com a ausência de incisões, que em tese reduziria o desconforto com as incisões realizadas nas cirurgias convencionais. Nesse sentido, não custa lembrar que a intervenção com robôs é executada com cinco incisões de 1,5-2,0 cm e outra adicional, maior, para extração da glândula adoentada. Somadas, a extensão dessas incisões somadas aproxima-se daquela empregada nas intervenções abertas. Ademais, os cirurgiões que preferem a técnica convencional utilizam atualmente uma anestesia combinada, geral e peridural, que permite que 9 em cada 10 pacientes não tenham praticamente nenhuma dor no período pós-operatório imediato.

A ideia de maior preservação das funções sexual e urinária com a intervenção robótica também se mostrou falaciosa. As cinco melhores pesquisas comparando as técnicas robótica e aberta demonstraram que essas complicações ocorrem com a mesma frequência com ambos os métodos. Ademais, num encontro realizado recentemente em Pasadena, EUA, conclui-se, consensualmente, que os resultados da prostatectomia relacionam-se essencialmente com a experiência do operador e não com a técnica empregada. Essa ideia vale para as chances de cura, número de acidentes intra e pós-operatórios e riscos de impotência sexual ou de incontinência urinária.  Ademais, num dos estudos publicados a respeito do tema por conceituado cirurgião robótico, complexos raciocínios matemáticos indicaram que 89,8% dos pacientes estavam potentes um ano após a prostatectomia robótica. Refazendo os cálculos, observei que apenas 298 (ou 47,6%) de 626 pacientes, que apresentavam potência sexual normal no momento da descoberta do tumor, preservaram este estado após a intervenção, números longe de serem superiores aos observados com as intervenções abertas.

Esses dados explicam observações feitas pelo grupo do Dr. Florian Schroeck, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Entrevistando pacientes submetidos à prostatectomia radical, constataram que o número de indivíduos que lamentavam a escolha da técnica robótica foi quatro vezes maior do que aqueles que optaram pela cirurgia aberta, principalmente porque os proponentes da técnica robótica criaram nos pacientes expectativas irreais a respeito das vantagens desse método.

Aos pacientes que se entregam com tanto ardor às inovações em medicina, gostaria de lembrar a história mitológica de Dedalus e seu filho Ícarus. Aprisionados num labirinto pelo rei Minos, conseguiram escapar pela habilidade do pai, que construiu dois pares de asas, juntando penas e cera. Inebriado com o poder de voar, Ícarus deslumbrou-se com a beleza do sol e voou em sua direção. A cera de suas asas rapidamente derreteu e Ícaro projetou-se contra o mar, dele restando somente penas na superfície da água.

Tentando resumir meus sentimentos em relação à cirurgia auxiliada por robôs, penso que elas se imporão no futuro em casos nos mais simples de câncer da próstata, pela atração que as  técnicas “high tech” exercem sobre a mente humana, pelo aperfeiçoamento do equipamento, que ainda falha por não oferecer a sensação táctil que facilita a realização de uma intervenção cirúrgica e pelo barateamento do equipamento.

No momento as evidências científicas mais rigorosas demonstram que as técnicas convencional e robótica assemelham-se em termos de eficiência na remoção dos tumores da próstata e acompanham-se de riscos de complicações e sequelas equivalentes e reduzidos quando realizadas por cirurgiões experimentados com cada uma das técnicas. Estatísticas provindas de reputados centros urológicos indicam que esse patamar de proficiência é obtido quando um cirurgião “robótico” executou mais de 350 prostatectomias radicais e um cirurgião “convencional” realizou mais de 700 intervenções similares.

 

Doença que se Estende para Fora da Próstata

Finalmente, quando tumor se estende para os tecidos que envolvem a próstata ou para outros órgãos, os pacientes são tratados com remoção dos com medicações ou intervenções cirúrgicas que reduzem os níveis da testosterona no sangue, o hormônio masculino que representa um dos principais combustíveis que alimenta o tumor. Quando as taxas sanguíneas de testosterona são anuladas, todas as lesões prostáticas presentes no organismo sofrem uma involução marcante.

Essas medidas nem sempre eliminam totalmente o tumor, mas a doença pode permanecer sob controle por muitos anos com mudanças sucessivas nas alternativas medicamentosas. Para esses pacientes notícias auspiciosas surgiram nos últimos anos. Cinco novos agentes, a abiraterona, a enzalutamida, o radium-223, os anticorpos anti-PSMA ligados ao lutécio-1177  e os chamados inibidores de PD1 e PDL1, foram recentemente testados em pacientes com formas agressivas e resistentes de câncer da próstata e mostraram intensa atividade antitumoral, com regressão da doença em 50 a 70% dos casos, incluindo alguns onde as esperanças se esvaiam. Com baixa toxicidade, já estão disponíveis ou prestes a serem liberadas para uso clínico e terão um papel relevante no tratamento dos pacientes com câncer da próstata.

 

Prevenção do Câncer de Próstata

De forma interessante, maior frequência de atividade sexual talvez iniba o aparecimento do câncer da próstata. Pesquisa patrocinada pelo National Institute of Health, dos EUA, que envolveu cerca de 29 mil homens, revelou que a incidência desse câncer é 33% menor nos indivíduos que tem mais do que cinco relações sexuais por semana. Mesmo que essa teoria não tenha ainda sido confirmada por outros estudos, alegro-me ao relatar tal pesquisa, enfim uma notícia prazerosa no meio de um texto tão árido.

 

Conclusões

Como procurei mostrar e graças ao esforço de dedicados pesquisadores e especialistas, mais de 90% dos pacientes com câncer da próstata descobertos em fases precoces são atualmente curados do seu mal.  Apesar disso, o tratamento do câncer da próstata ainda envolve controvérsias não bem resolvidas. Em primeiro lugar, fica claro que os especialistas da área têm divergências que não são apenas semânticas quanto a melhor forma de tratar tais casos. Outro fato: o câncer da próstata se posta, como doença, dentro de um espectro que abrange desde casos que não precisam ser tratados até situações em que a terapêutica pouco modificará a evolução desastrosa do mal. Finalmente, todos os métodos de tratamento disponíveis podem comprometer de alguma forma a qualidade de vida do doente. Por esses motivos, um especialista só orientará corretamente o tratamento de qualquer caso se, além de bom senso, levar em conta os sentimentos do paciente. Assim, gostaria de dizer que médicos e pacientes, em decisão conjunta, devem optar pela terapêutica mais eficiente, quando a sobrevida for o anseio mais relevante, e escolher o tratamento menos agressivo, quando a qualidade de vida for a preocupação principal do doente.

Essa situação me remete a Maceió. Ao visitar a praia do Francês com o amigo Paulo Vitório, me deparei com um motel à beira da estrada: “Cequisabe”. Logo imaginei a cara do conquistador não tão bem intencionado ao perguntar para a indefesa o que ela gostaria de fazer naquela noite enluarada. Volto ao câncer da próstata. Os especialistas são sempre tendenciosos, muitos por um impulso natural, alguns por impulsos não tão naturais. Imaginem o que acontecerá com o paciente assustado, frente a um cirurgião intransigente ou a um radioterapeuta inflexível se, ao invés de expressar seus sentimentos pessoais, deixar escapar “cê qui sabe”.